Ano passado, na alegria da festa de São João Batista, no Centro Pai Jeremias, Vó Maria me chamou ao pé de sua cadeira de rodas e, entre cantos, danças e o aroma de comidas típicas, ela planejava as celebrações dos anos seguintes. Juntas, escalamos com esperança os festeiros e festeiras, alferes da bandeira e do mastro, desenhando com maestria os próximos cenários da tradicional festa junina de fé e mistérios. Algumas semanas depois, num rastro de luz, partiu suavemente para Aruanda, deixando os filhos num oceano de silêncio e dor, órfãos de sua luz e amor.
Os divinos mistérios ancestrais trilham caminhos por onde nossos sentidos apenas decifram com o tempo. São caminhos secretos, velados por véus que se abrem em camadas. A verdade só se revela quando a alma tem estrutura ética, moral e espiritual para se deixar pertencer a tais diretrizes. Precisei amadurecer décadas em alguns dias, vivendo o luto e as crescentes responsabilidades, para assimilar o que a Mãe da Casa, na simplicidade sagrada do pertencimento, me falava.
Após a iniciação da ausência maternal, uma certeza nos guiava: honraríamos sua vontade com todo o coração. Festa de santo é promessa sagrada. Comprometimento feito a Vó Maria não se quebra. A tradição fala em sete anos de celebração. "Seguiremos à risca. E hoje, sob a ótica do tempo, entendo por que ela me fez buscar lápis e papel para gravar nomes, datas, detalhes do evento. Agora tudo faz sentido. Acolho e reverencio. Este ano, a festa foi para Seu Zé Pilintra. No próximo, será a vez de Zé do Barranco — porque assim foi determinado, e assim será."
A vida, com suas voltas, nos levou a fazer pequenos ajustes. As mudanças foram inevitáveis. Anotou-se, porque o que fora acordado em palavras, mesmo na força da oralidade, poderia ser esquecido em meio à agitação do mundo moderno — reinterpretado, distorcido, desviado do que foi selado com fé. Mas o tempo, esse velho conselheiro, transformou o compromisso em hábito.
E os filhos da Casa Espírita Nossa Senhora do Carmo, como quem respira a devoção e a tradição, agora celebram sem precisar lembrar ou cobrar: apenas sentem e realizam a festa de Julião em homenagem a Vó Maria. Reverberam a gratidão a São João Batista pela vida que pulsa em cada bandeirola, em cada colherada de Maria Isabel, na farofa de banana e na rapadura que se dissolve na boca. Xangô é celebrado pela força que nos sustenta e pela fé que mantém o mastro levantado, ou o fio de conta branco e vermelho, simbolizando “a fé que tenho nele.”